O sumiço de Zé Pereira

Por Neuma Dantas

Quem visita Mundo Novo durante o carnaval, onde hoje não há vestígios de festas, não imagina que, nessa pacata cidade com 174 anos de descoberta, existiram grandes bailes carnavalescos. A fase áurea aconteceu entre as décadas de 20 e 60, quando o Abre Alas de Zé Pereira saía pelas ruas nas madrugadas de sábado, anunciando sua chegada através do Grito de Carnaval. Nos anos 70 houve mudanças, até que em 1983, os festejos foram atingidos pela crise político-econômica que provocou seu fim.


Nesse primeiro período reinava o Carnaval Imortal, para lembrar a expressão do filho adotivo de Mundo Novo, o músico Almiro Adeodato Oliveira, quando ocorria a disputa musical das Philarmônicas dos principais clubes e a competição pela ornamentação dos carros alegóricos. Vêm daí os blocos dos mascarados e as batalhas de confetes e serpentinas. Num depoimento dado em 2000, o poeta Arnaldo Almeida lembrou que as riquíssimas fantasias eram trazidas de Salvador e Rio de Janeiro, por representantes comerciais, que vinham também brincar o carnaval em lotes de burros.


Nos anos 30
, surgiram O Carnaval das Graxeiras e o Baile das Mulheres Solteiras. Este último, só saía após as 18h, no cabaré, enquanto o primeiro era freqüentado por empregadas domésticas. Os clubes Sociedade Lyra e Euterpe/Aliança Mundonovense representavam fortes facções políticas; a Sociedade dos Artistas, o segmento operário. “O que havia de benéfico na rivalidade entre os clubes era que a política consistia em cada facção procurar fazer melhor que a outra”, cita o advogado e escritor, Dante Lima, em seu livro Mundo Novo, Nossa Terra, Nossa Gente. Ele confessa ainda que, infelizmente o Carnaval de sua terra foi feito e desfeito pela política municipal.


Jovem na década de 50
, o músico Chiquinho Terra Quente, comenta que as orquestras dos clubes encontravam-se nas ruas mundo-novenses, tocando dobrados, marcha rancho, samba e frevo. Segundo ele, o povo trabalhava para o carnaval, gastava até o que não tinha, para trocarem de fantasia três ou quatro vezes por dia, relembra saudoso, acrescentando “quem viu, viu; quem não viu, não vê mais”.

Princesa Diva Dantas (1ª à direita) – 1959


O concurso das mais belas carnavalescas era outra característica marcante do carnaval. “As escolhidas pela diretoria dos clubes deveriam vender votos. Quem conseguisse mais dinheiro seria a vencedora”, é o que relata, Diva Leal Dantas, Princesa do Carnaval de 1959, que desfilou em carro alegórico com a Rainha, Príncipes e Guardas-de-Honra acompanhados pelo Trio Papagaio. A grande foliã salientou que os cordões passavam de casa em casa, dançando, comendo tira-gosto e bebendo. O cortejo terminava nos clubes.

Wanderlan Sampaio Araújo diz que conheceu, pelos anos 50, as orquestras “talvez como remanescentes das filarmônicas”, fazendo os famosos carnavais de Mundo Novo. “Tínhamos belíssimos carros alegóricos nos desfiles dos Clubes Lyra Mundonovense e Aliança”, relembra saudoso.

Havia matinês (bailes matutinos), matinal (vespertinos) e os noturnos, nos salões, durante a década de 70 até inicio dos anos 80. “Nas ruas, os blocos de homens travestidos, foliões de mortalhas e as caretas. O Trio Elétrico tocava na praça até ás 22h”, descreve o ex-presidente da Lyra, Clevérson Nogueira Barbosa.


Nesse período administrativo, a Lyra lançou o Trio Lyra, que tocava entre músicas do estilo, uma marchinha composta pelo poeta Eulálio Mota e musicada por Almiro Oliveira. Com a experiência de quem presidiu a Lyra de 1970 a 1982, Nogueira diz que aos poucos os jovens foram preferindo o carnaval de Salvador com os grandes Trios e suas   estrelas. “A competição era forte para nós”, analisa.


Declínio do Carnaval


A decadência se acentua a partir de 1983. Além do êxodo dos jovens, as dificuldades político-financeiras começaram a minar os carnavais da cidade. Para salvar a festa, Raimundo Costa, quando assumiu seu primeiro governo (1983), instituiu uma Micareta,mais popular, que se realizava no Mercado Municipal. Após quatro anos, essa tentativa também fracassou.


Os filhos naturais ou adotivos e visitantes de Mundo Novo, que tiveram o privilégio de participar daquela riqueza cultural, sentem saudades, mas conformam-se, pelo menos, por ter vivido um autêntico carnaval. Sorte igual, segundo eles, não teve as novas gerações de participar de uma festa sem violência e com características próprias: a irreverência, alegria e beleza cênica.


Hoje, tudo é diferente. A população da cidade aproveita os feriados do Carnaval para descansar em suas fazendas ou ir a outros lugares. Os mais jovens preferem participar da festa em Salvador ou viajar para as praias. Alguns filhos da terra visitam suas famílias. Outros ainda permanecem na cidade como se nada de especial estivesse acontecendo; não vivem o carnaval: porque não gostam, não podem ou não querem.

Independente de outras festas que possam ocorrer, o povo reconhece o impacto negativo sobre a vida social e econômica da cidade com o fim das festas carnavalescas.

 

Neuma Dantas

Neuma Dantas é formada em Letras e Comunicação Social – Jornalismo. Mestre em Comunicação e Política – UFBA. É fotógrafa e atuou como produtora musical.