O Pastor de Nossa Senhora da Conceição do Mundo Novo

Por Neuma Dantas

O nosso Padre Nicanor viveu 85 anos, dos quais 60 dedicados exclusivamente à Igreja Católica, respeitando, no entanto, todos os credos e ideologias o que o credenciou a praticar, discretamente, a política à maneira conciliadora. O pároco era altruísta, carinhoso, não guardava mágoas, e até na doença manteve-se bem humorado. Um homem com pureza de criança, por isso as amava. Uma criança que era feliz com pequenas coisas como comer doce de figo.

Monsenhor Nicanor de Oliveira Cunha nasceu em Gavião, atual Riachão do Jacuipe, em 26 de abril de 1915. Entre os colegas, conviveu com o Monsenhor Gaspar Sadock desde que começaram os estudos de Filosofia e Teologia, no seminário, a partir de fevereiro de 1929. Começa sua carreira religiosa em Coração de Maria após a ordenação sacerdotal em dezembro de 1940. Daí segue para Mundo Novo onde assumiu, em 1944, o cargo de vigário coadjutor depois passando a ecônomo; então em 1947 o Pe. Nicanor foi nomeado em definitivo para as Paróquias de Mundo Novo e Mairí. Adotou os mundo-novenses como seus irmãos e aí permaneceu até a volta à pátria espiritual.

Nesses 56 anos, o sacerdote acumulou admiradores de todas as classes e idades, colaboradores, colegas e amigos. Para a Irmã Celestina Perón, que trabalhou em Mundo Novo por quatro anos, ele continua presente como orientador, sempre com carinho de Pai. “Pessoa ponderada, de muita fé, oração e muito espírito de sacrifício. Sabia ser prudente em tudo, com as Irmãs e com o povo. Em tudo ele sabia dialogar. Sabia esperar!”, afirma com emoção.

Integrado à Diocese de Ruy Barbosa, nosso condutor de ovelhas também trabalhou inicialmente em Tapiramutá e Piritiba, visitava constantemente as comunidades dos distritos e fazendas. O vigário atuou em outras frentes, foi um dos fundadores do Ginásio, atuando como professor de Latim e Português. Conforme o professor João Gomes, o Dijinho, ele foi Diretor da instituição por 10 anos (1955/1965), vice-diretor (1970/1981) e membro do Conselho Administrativo da Sociedade Civil Ginásio Mundo Novo até a estadualização. No campo administrativo, o dono do sítio Irmã Verônica (Umbuzeiro) também dirigiu a Cooperativa Agropecuária da Região Central da Bahia, com sede na cidade.

O Pe.Nicanor tinha sensível veia política, admirava grandes nomes nacionais como Eduardo e Marta Suplicy, Mário Covas e Ulisses Guimarães. De acordo com Djane Praxedes, sua carinhosa cuidadora durante a fase enferma, o monsenhor era aberto às mudanças, apoiava o trabalho das Pastorais da Criança, da Saúde, dos Jovens, Batismo, Família e Carcerária; acatava porém, com moderação, o grito dos excluídos. “Ele encabeçou projetos sociais implantados pela Diocese, apresentando-os à Câmara Municipal, a exemplo da construção de cisternas, projeto integrante da ASA (Articulação do Semi-árido) ligado também ao Programa Fome Zero”, relembra.

Djane acrescenta que o pároco respeitava a autoridade, seguia os preceitos da Igreja Católica, porém não gostava de posições radicais. De tipo conciliador, ele apreciava a política, praticando-a discretamente. Visitava os prefeitos eleitos de qualquer partido político e apresentava-se sempre às autoridades municipais e estaduais que chegavam à cidade.

Por influência do “velhinho alegre” Maricélia Magalhães Fentanes, tornou-se a primeira religiosa nascida em Mundo Novo. A Irmã Elizabeth foi encaminhada por ele para estudar música em Feira de Santana, daí tornou-se freira. A Irmã confirma que o padre deu a vida pela Igreja e não tinha inimigos. Como fazia a desobriga nas duas paróquias “ele ficava até um mês fora visitando enfermos, praticando casamentos, confissões, missas e batizados”, conta a filha de D.Mercês.

Cidadão mundo-novense, o Monsenhor Nicanor costumava ajudar as famílias carentes dos bairros e roças com cestas básicas. Não gostava de mentiras nem fofocas, era risonho e brincalhão com os amigos mais chegados, a exemplo de Dr.Raimundo Costa, médico que o assistia na cidade. Para D.Zezé, ele era uma pessoa ética e educada, ela relembra que o povo também brincava com o padre, como na ocorrência da trombada do jipe, cantando “Pe.Nicanor, Pe.Nicanor, foi pisar no freio e pisou no acelerador”. Dessa parte ele não gostava.

O padre era hipertenso, sofreu uma cirurgia de próstata e enfrentou com muita coragem um câncer no intestino. Na fase de tratamento, recebeu assistência incondicional de Djane de quem se tornou afetivamente dependente; conforme a noviça, mesmo doente “ele nunca foi agressivo, sempre paciente sem nunca se queixar de dor; rezava a missa diariamente em casa”.

Em seu texto lido na missa dos 60 anos de sacerdócio, em 03 de dezembro de 2000, pouco antes de morrer, nosso condutor espiritual disse: “rendo graças a Deus porque encontrei em Mundo Novo, na sede e nas comunidades, um povo bom, amigo e acolhedor”, agradeceu as orações e zelo à terra que adotou, a família, médicos, enfermeiros e a Djane “que cuida tão bem de mim com carinho e paciência de filha”.

Aconteceu, segundo ela, o que ele não queria, morrer fora de Mundo Novo. Faleceu em 28 de dezembro de 2000 em Salvador. Permaneça tranqüilo padre, o senhor continua vivo entre nós, as suas ovelhas mundo-novenses.

Neuma Dantas

Neuma Dantas é formada em Letras e Comunicação Social – Jornalismo. Mestre em Comunicação e Política – UFBA. É fotógrafa e atuou como produtora musical.