Uma andorinha que faz verão

Por Neuma Dantas

Pense num sujeito empreendedor, veia de estadista político, versado em poesia e bem falante em português e inglês. Espírito forte e sangue quente, nosso personagem foi colega de escola dos artistas Calazans Neto, Glauber Rocha e amigo de farra e violão de Tom Zé. Ele está muito perto, não sabe quem é ainda? Trata-se do professor mundonovense Vanderlan Sampaio Araújo, carinhosamente conhecido por Lando.

Os dados pessoais de formação no currículo são invejáveis; os serviços prestados à terra natal no passado e presente, contagiantes. Seus atuais objetos de dedicação são aPraça Filhos e Amigos de Mundo Novo e o Centro de Artesanato de Mundo Novo.

O primeiro, localizado na serra da Santa Cruz, antes de concluir já se tornou um ponto turístico com infra-estrutura em andamento. Tudo começou em 1977, quando o professor passou a cuidar da Capela de São Judas Tadeu, hoje seu santo protetor e motivo inspirador da obra. Nesse mesmo ano, ele passou a promover a celebração, em 28 de outubro, do dia do santo, com um tríduo na Igreja e procissão da Escola Polivalente à Santa Cruz (1977/1982).


O segundo objetivo
nasceu da necessidade de dar oportunidade aos talentos mundonovenses e aproveitar o espaço do saudoso Clube dos Artistas, doado à Prefeitura pela atual diretoria, para a construção do Centro de Artesanato, local de futura venda e exposições de peças artísticas.


Entre os planos de Vanderlan estão a continuidade da queima de fogos na serra e a organização de lual com seresta, no verão, na voz dos cantores nativos, para o deleite das famílias. “Vamos aproveitar essa visão de presépio encantado que á minha terra”, diz entusiasmado, aliás esse é seu costumeiro estado de espírito, principalmente quando fala do projeto da Santa Cruz.


A escolha do nome do empreendimento justifica-se pela solidariedade que o professor despertou na cidade e o povo correspondeu. Filhos e amigos têm colaborado com a construção, em andamento, da praça, que gradativamente, vem chamando a atenção de visitantes. Vanderlan é otimista e determinado, sempre sonhou com a integração cidade versus religião, “o objetivo é trazer a comunidade para perto de São Judas Tadeu e sua capela”, confessa.


– Estou muito feliz. Sempre pedi ao santo para me aposentar vivo e com saúde para
continuar o projeto que sonhei.

– Parece um chamado de S.Judas, não?

– Eu acredito que sim. Passei a conhecer a vida dele, um dos 12 apóstolos, primo de Jesus Cristo.

Fazendo jus ao seu temperamento virtuoso, o professor anunciou, em entrevista no alto do morro:  “Não quero nada agora ou depois, não recebo nada; quero apenas, quando o projeto já pronto, for terceirizado, que a renda seja revertida para a própria iniciativa, em melhoramentos, ampliação e conservação”.

De perfil dinâmico e admiravelmente inteligente, Vanderlan Sampaio Araújo estudou o 1º grau no Colégio Maristas em Senhor do Bonfim, transferindo-se para Salvador, onde fez o Científico no Colégio Central da Bahia junto aos colegas artistas conhecidos nacionalmente. Serviu ao Exército no Colégio Militar.

De volta a Mundo Novo, após curso intensivo de Secretariado e Contabilidade, pela Fundação Getúlio Vargas/Ufba, iniciou sua breve carreira política. Entre 1961/63 foi Chefe da Contabilidade da Prefeitura de Piritiba e Secretário do prefeito, seu tio e padrinho, Joaquim Sampaio Neto, Sr.Quinzinho.

Cumprida a missão, começou a cursar, em Salvador, Sociologia e Política na Universidade Federal da Bahia, concluindo em 1966. De novo na terra natal, o recém cientista político assumiu a chefia de gabinete da Prefeitura de Mundo Novo, sob a gestão de Ederval Nery em 1967. Por um ano acumulou duas funções: Secretário e Diretor.

Administrador e político: lados de uma mesma personalidade


Aos 31 anos, Vanderlan já era diretor exclusivamente por seus méritos. De 1967 a 1970 dirigiu o Ginásio Mundo Novo, quando regularizou junto a Secretaria Estadual de Educação, a situação da escola. Transformou-o em Colégio com a implantação da Biblioteca Osvaldo Ribeiro, cantina, quadra iluminada e espaço para educação física. Com verba adquirida, pessoalmente, no Ministério da Educação, o professor concluiu a construção do Auditório Dep.Oliveira Brito, parado há seis anos, e recuperou a escola. Os prédios foram inaugurados em 1968, na comemoração dos 15 anos do Colégio e formatura da 1ª turma.


Nesse mesmo período, o diretor criou o Grêmio Lítero-Esportivo Ruy Barbosa (GLERB), a Banda Marcial do Colégio Mundo Novo (BAMACMN), a bandeira/escudo do colégio e o curso noturno (da 1ª à 5ª séries) para adultos carentes, gratuito para alunos e voluntário pela parte dos professores/diretor. Implantou também torneios esportivos locais e intermunicipais. “Existia vida literária, esportiva e integração entre colégio e comunidade”, relembra.


A veia política voltou à tona e o administrador trabalhou, voluntariamente, como vereador na gestão de Arnaldo Mota de 1971/72. Na sua breve, mas marcante legislatura, ele implantou o Posto do Instituto Pedro Melo e Delegacia do Trabalho para facilitar aos mundonovenses e moradores da região a aquisição de Cédulas de Identidade e Carteira Profissional, através de convênio com a Prefeitura.


Abriu escolas municipais, promoveu assistência odonto-médica, Carteira de Identidade e Alistamento Militar para os distritos. Sampaio instituiu o feriado de 10 de outubro no calendário oficial de Mundo Novo.


Trouxe ainda
o Sistema de Telefonia da Telebahia  e conseguiu a doação do terreno e assinatura da ordem para construção do novo prédio do Fórum, embora tenha sido inaugurado em outra gestão. Vanderlan declara não querer se envolver com a política visto a decepção que viveu. “Eu seria uma andorinha pra não fazer verão”, ironiza.


“Fiz Sociologia e Política e aprendi política como ciência”, relata o professor. “Quando assumi, pensei que poderia por em prática meus conhecimentos da faculdade. Se tivesse conseguido, tenho certeza que Mundo Novo seria outro” e continua “digo isso porque não há em minha cabeça discriminação, retaliação com religião, cor, partido, nem com ninguém, nem com nada”, afirma convicto, salientando que seu trabalho é comunitário e voluntário para todos, independente de crença e ideologia. “Olho o cidadão, o indivíduo”, ressalta.


O homem é uma máquina para trabalhar, com ele mesmo diz, nunca conseguiu parar, gosta de estar sempre em atividade. Assim é que assumiu, em 1972, após diplomar-se em  Administração Escolar e Inglês, pelo Programa de Educação e Melhoramento do Ensino Médio (PREMEM/UFBA), a direção da Escola Polivalente de Mundo Novo, permanecendo até 1983, retirado então por motivos políticos. No entanto, continuou no seu ofício de professor de Inglês até 2003, data de sua aposentadoria na área de educação.


No Polivalente, o primeiro diretor fez campanha na cidade para adquirir o telefone, conseguiu a recepção do Diário Oficial, que não chegava à cidade, e transferiu as altas despesas de água e luz do colégio para o Estado. Fundou o Centro Cívico Cosme de Farias, político que conheceu pessoalmente, e registrou a Biblioteca Anísio Teixeira junto ao MEC. Também adotou o escudo, a bandeira, escreveu o Hino em parceria com Almiro Oliveira e fundou a Banda Marcial do Colégio. Havia atividades cívicas, esportivas e religiosas com adoção da 1ª noite das novenas do mês de maio. No período de sua gestão, o Polivalente, com a freqüência de 420 alunos, foi considerado pela Secretaria Estadual de Educação a escola modelo.


O poeta destemido


Em meio a essa paixão de construir e formar consciências, o extrovertido professor também dá lugar ao gosto pela música romântica e poesia. É autor das letras do Hino do Centro Cívico, de São Judas Tadeu e do Ginásio Mundo Novo. De raciocínio rápido e atitudes sinceras, nunca preparou um discurso, fala de improviso. “Falo pelo coração, não sou falso e nem levo desaforo para casa”, define-se de maneira objetiva.


Esse audacioso capricorniano, que é proprietário da Serraria São Judas Tadeu, gosta de criar ovinos e caprinos em seu sítio, de administrar, do trabalho social com crianças e idosos carentes e de viajar. Conhece todo o Brasil, visitou também a Argentina e Uruguai.


Vanderlan facilmente adaptou-se à “carreira de pidão” como ele mesmo brinca. Mas não é só isso, tanto sabe pedir como dar. Esse filho de Mundo Novo doou um terreno de 50 X 50m, de sua propriedade à Prefeitura onde foi construído o prédio do INSS. Não porque seja bonzinho, mas porque tem visão de estadista, consciência ampla e abriga em seu pensamento idéias cidadãs.


Sampaio conta que, de acordo com o engenheiro do Instituto de Seguridade Social, se não construísse o prédio naquele local, ele iria embora e pela segunda vez, a cidade perderia a Agência do INSS. Não deu outra, apesar das críticas, ele fez a doação em cartório, sacrificando um projeto pessoal para ser revertido em benefício da cidade e da região.  “Eu me sinto feliz com as oportunidades que Deus me dá de passar por aqui e deixar alguma coisa de bem”, diz emocionado com humildade.


O benemérito da cidade relata que pensou em alguém que vem da roça, montado num jegue, analfabeto, sem dinheiro, para resolver um assunto na agência. Para ele, é uma felicidade constatar a presença de mundonovenses e moradores da circunvizinhança, solucionando suas vidas. “Eu quero ver o coitado, pobre ou aleijado chegar no posto, sem despesas ou guia e resolver seu problema pra não morrer à míngua”, ressalta em tom socialista o professor que, ao consultar o órgão, pega fila como qualquer outro atendido.


Esse “homem de palavra” nasceu em 22 de dezembro de 1936. O professor Vanderlan ou Lando, o amigo de todos, é enérgico e ao mesmo tempo emotivo, religioso, prático e destemido. A música que pode definir seu jeito de ser, sem sombra de dúvida, é:


Construção
, de Chico Buarque de Holanda.


…Subiu a construção como se fosse máquina

Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico

Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado

Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago

Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro […]

…Subiu a construção como se fosse sólido

Ergueu no patamar quatro paredes mágicas

Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe

Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo

Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música

E flutuou no ar como se fosse sábado…

Notas

O projeto da Santa Cruz
consta de praça com jardim; palco-concha para comemorações religiosas e profanas; mirante em frente ao cruzeiro com grade protetora; quiosque aberto com bar, lanchonete e churrasqueira; dois quiosques pequenos com finalidade turística para venda de artesanato e lembranças de São Judas; parque de lazer com piscina, área de pic-nic, camping, restaurante, carramanchão, e ainda uma escadaria, sinuosa e iluminada, pelo Caminho Centenário com as 14 estações da Via Sacra para peregrinações na Semana Santa.


A capela
da Santa Cruz foi construída pelo Pe.José Dias e inaugurada em 03.05.1910. Seu desenho em  forma de sino foi projetado por Ângelo Custódio de Lima, conhecido por “Seu Angelim”. A construção atual data de 1962, quando da destruição da anterior, pelas chuvas em 1960. Administrada pelo Sr.Torquato Miranda, na década de 70, a capela e a imagem, doada por Mário Alves, encontravam-se devastadas, quando Vanderlan assumiu seus cuidados.

Neuma Dantas

Neuma Dantas é formada em Letras e Comunicação Social – Jornalismo. Mestre em Comunicação e Política – UFBA. É fotógrafa e atuou como produtora musical.